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Edificações: um balanço e perspectivas

Ana Maria Castelo em 22.12.2020

Qualquer balanço de 2020 não pode deixar de fazer referência ao que foi e continua sendo a maior tragédia vivida pelas famílias e empresas ao longo do ano. Assim, todas as análises econômicas relacionam o desempenho pré e pós-Covid. Em outras palavras, procura-se dimensionar o impacto do isolamento, da paralisação das atividades, mas, principalmente, acompanhar a recuperação.

No setor da construção, a dinâmica pré-Covid tem grande importância no entendimento desses impactos. Vale lembrar que os indicadores apontavam uma melhora que vinha desde o início de 2019. O mercado imobiliário finalmente sinalizava crescimento: lançamentos voltaram a registrar taxas mais robustas, os distratos diminuíram e as vendas líquidas[1] cresceram. De todo modo, ainda era um movimento de abrangência geográfica desigual – concentrado no Sudeste – e muito distante do boom do período 2007/13.

De acordo com a pesquisa da Associação Brasileira das Incorporadoras (ABRAINC), em 2019 os lançamentos registraram alta de 12%, mas as vendas líquidas aumentaram 14,2%. Assim, em 2020, os negócios bem sucedidos começariam a se traduzir em obras: de fato, nos três primeiros meses do ano, as empresas do segmento de Edificações geraram um saldo positivo de 13,5 mil empregos com carteira, ante um total de 42,3 mil postos em todo o setor da construção[2].

A partir do final de março, a pandemia determinou a necessidade de isolamento, o que causou a redução do ritmo ou completa paralisação das obras. Nos meses de abril e maio, o saldo negativo do emprego na construção foi de 94,3 mil trabalhadores, sendo que o segmento de Edificações respondeu por cerca de 36 mil demissões. Já a partir de junho, as contratações voltaram a superar as demissões. Entre junho e outubro, o segmento de Edificações[3] teve um saldo líquido de 61,7 mil empregos, para um saldo no setor de 190,4 mil.

O mercado imobiliário residencial retomou as obras em andamento, mais que recuperando o emprego. No entanto, a surpresa positiva veio da retomada dos negócios. A Sondagem da Construção da FGV realizada com empresas de todo o país mostra a evolução dos negócios ao longo desse período recente. O Indicador de Situação Atual que capta a percepção em relação ao momento corrente aponta a deterioração que houve, mas também a forte recuperação: nota-se que o índice atual (novembro) está em posição mais favorável do que antes da pandemia.

Impulsionadas pela queda nas taxas de juros e pela oferta crescente do crédito, as vendas de imóveis novos até outubro já superaram as vendas do mesmo período do ano passado. Essa dinâmica positiva tem sido alavancada pelos imóveis enquadrados no segmento do programa habitacional MCMV/MCVA. No entanto, o mesmo não ocorreu com os lançamentos: muitos foram adiados e ainda não houve uma recuperação plena. 

O crescimento das vendas e queda nos lançamentos afetou a oferta e o ciclo de retomada que vinha desde o ano passado. Mas, se os negócios continuarem evoluindo favoravelmente, esse ciclo poderá ser recuperado. É importante notar que o setor tem uma atividade contratada à frente que irá repercutir nos indicadores em 2021, como mostra o gráfico a seguir, de vendas acumuladas para os segmentos de HIS e médio e alto padrão.

No entanto esse movimento pode ser dificultado por dois grandes problemas: a escassez e alta de preço dos materiais.

A expressiva elevação de alguns insumos entrou na lista das grandes preocupações nos últimos meses, junto com dificuldades de fornecimento de alguns itens.

Quesitos especiais da Sondagem de novembro apontaram as empresas da construção em linha com outras da indústria de transformação.

Vale observar que o componente Materiais e Equipamentos do INCC-M acumula em 12 meses até novembro variação de 16,7%.

Todas essas questões – incertezas e dificuldades com materiais – têm contribuído para minar o otimismo. Na verdade, as expectativas vêm retrocedendo, o que sinaliza que as empresas anteveem um começo difícil em 2021.

Quais as perspectivas de continuidade dessa retomada?  Está claro que a passagem do ano não irá levar o vírus da Covid-19, que continuará presente: apenas a vacinação em massa da população poderá afastar a ameaça da pandemia e de novas ondas. Isso significa que as incertezas permanecem muito elevadas, dificultando as projeções e decisões de investimento.

As baixas taxas de juros continuarão a favorecer o setor em 2021, mas a continuidade dessa fase positiva está também condicionada à melhora da economia – do mercado de trabalho e da renda. A redução das taxas de juros é um fator fundamental para garantir o acesso das famílias ao crédito, mas sem a renda esse movimento não se completa.


[1]  Vendas menos distratos.

[2] Caged.

[3] Dados do Caged e abrangem as áreas de Edificações Residenciais e Não Residenciais.

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O impacto da COVID-19 na construção

Ana Maria Castelo, em 13.05.2020

Em janeiro ainda parecia algo distante, afinal não sabíamos a dimensão que tomaria. Em março, a Covid-19 chegou com força e a maioria dos estados do país entraram em um sistema de quarentena com o fechamento de estabelecimentos voltados para atividades não essenciais. Em maio, algumas cidades apertaram ainda mais o isolamento determinando o lockdown.

A construção é atividade essencial? No último dia 7 de maio foi assinado o decreto presidencial que classificou a construção civil como um serviço essencial ao país. Antes disso, no entanto, o setor já estava incluído entre essas atividades em grande parte dos estados. 

O levantamento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) indicou que no início de maio não havia determinação de paralisação nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, com exceção do Paraná. Na região Norte em alguns locais e no Pará as atividades estavam paralisadas. No Nordeste, o quadro é mais crítico: no Ceará, Maranhão e Pernambuco apenas obras públicas consideradas essenciais puderam continuar em andamento, enquanto no Piauí todas as obras estão paradas.

A pesquisa da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), efetuada entre os dias 7 e 8 de maio com 36 incorporadoras associadas, que representam grande parte das maiores empresas do setor, apontou que apenas 6% das obras em andamento estavam paradas.

No entanto, mesmo que não tenha havido proibição para as atividades continuarem em grande parte do país, o setor está sendo bastante impactado pela Covid-19.

No mercado imobiliário, se grande parte das obras está em andamento, o mesmo não se pode dizer em relação às vendas, que não são atividades essenciais e os estandes estão fechados. Assim, negócios deixam de ser realizados e novos projetos foram adiados. Além disso, a disseminação da Covid-19 ainda poderá provocar o fechamento de muitos canteiros. O segmento de serviços especializados, que envolve as obras de preparação de terreno, de instalações elétricas, hidráulicas e obras de acabamento, tem sido impactado pela paralisação de obras de reformas residenciais e pelo adiamento de novas obras. Na infraestrutura, o cronograma de leilões e concessões provavelmente será revisto. E finalmente, se as obras estão caminhando, as áreas administrativas da maioria das empresas entraram em férias ou home office.

De fato, a Sondagem da Construção da FGV IBRE realizada em abril apontou que as empresas estão sendo afetadas negativamente ou muito negativamente pela redução da demanda e paralisação provocadas pela pandemia.

Com a deterioração no ambiente de negócios e a retração da demanda, a Confiança dos empresários da Construção (ICST) registrou em abril a maior queda mensal, já considerando os ajustes sazonais, desde que a pesquisa começou a ser realizada em junho de 2010. Dessa forma, o ICST alcançou novo mínimo histórico, superando o pior resultado da crise 2014-18, atingido em abril de 2016.

Vale lembrar que antes da Covid-19 e a fase de isolamento social se espraiar pelo país, a construção estava no início de um movimento de retomada, depois de registrar retração de 30% entre 2014 e 2018. Em 2019, houve crescimento de 1,6% e as projeções para o ano de 2020 apontavam uma taxa de expansão da ordem de 3% para o PIB setorial.

A Sondagem mostrou uma mudança brusca do cenário em todos os segmentos da construção, atingindo mais fortemente o segmento de Edificações.  

A confiança empresarial foi atingida em seus dois componentes, o que capta a percepção em relação ao momento atual (ISA) e o que indica as expectativas (IE) para os próximos três meses.

O ISA está refletindo a piora no ambiente de negócios observada desde o começo da pandemia. A recuperação da atividade ainda estava muito no início, assim, ao contrário de 2008 quando o setor se encontrava no auge do ciclo de crescimento, agora as bases da recuperação são muito frágeis. Mas o que mais preocupa é a perspectiva de o ciclo se inverter novamente por conta da queda na demanda. Em janeiro, 38% dos empresários apontavam crescimento da demanda nos três meses seguintes contra 9,5% que sinalizavam queda. Em abril, apenas 5,9% esperavam crescimento, enquanto 48,6%, já esperavam queda para o mesmo período.

É possível a reversão do ciclo que mal se iniciava? Certamente haverá uma forte retração em 2020, que não atingirá apenas o segmento formal. A parcela do setor comandada por obras de pequenas reformas e pela autoconstrução deverá sofrer um impacto ainda maior, em decorrência da maior vulnerabilidade do mercado informal.

A demanda por novos imóveis já sofreu um revés pelo simples fechamento dos estandes, mas a retração deve prosseguir mesmo após o fim do isolamento, acusando a forte redução do emprego e da massa de rendimentos no país, que levarão tempo para recuperar.

Os números da produção de materiais de construção em março, mês atingido apenas parcialmente pela quarentena, já acusaram uma retração expressiva: 5% na comparação com março de 2019. As vendas de cimento caíram 4% na mesma comparação.

Difícil saber como será a saída da crise. As empresas da construção preveem que serão impactadas em média por 4 meses e levarão 5,8 meses para se recuperar, o que significa que apenas no final do primeiro trimestre de 2021, o setor voltaria ao patamar do início de 2020.

É difícil esperar que em 2021 ocorra algo como em 2009, quando impulsionado pelo Programa Minha Casa Minha Vida, pela expansão do crédito imobiliário e pelo fortalecimento dos investimentos em infraestrutura via PAC, o PIB setorial avançou 7%. Mas indiscutivelmente o setor pode ter um papel importante na retomada do crescimento, a partir de uma agenda voltada para a infraestrutura.